Introdução:
Trata-se de um trabalho de pesquisa realizado pela autora e tem como perguntas geradoras as seguintes indagações: “O que é que tem sido alfabetização? Quem tem sido alfabetizado? Para quê se tem alfabetizado?”
Partindo da premissa de que, com o advento da alfabetização em massa, os métodos e técnicas de alfabetização têm sido demasiado valorizados e isso tem feito esvaziar da sala de aula a produção de conhecimento, a autora acredita que, nesse processo, alunos e professores têm sido transformados em meros objetos consumidores de informação.
O Estado isenta-se de sua responsabilidade com o analfabetismo repassando aos municípios a responsabilidade de “receber esses analfabetos para ensinar-lhes esses rudimentos de escrita, determinados pela relação leitura/escrita, desenvolvimento industrial”.
A autora pretende assim buscar o sentido da alfabetização, buscando na história política a relação “escola/escrita/classes sociais”. Para isso ela fará a reconstituição da história de leitura e escrita de um grupo de trabalhadores rurais e urbanos, a partir do ponto de vista não da visão oficial e sim dos próprios trabalhadores.
O Percurso:
A hipótese inicial do trabalho colocava a existência de duas histórias: uma oficial e outra não-registrada, histórias estas que se entrecruzavam a todo o momento. Contudo com o passar dos acontecimentos a autora pode perceber que na verdade havia apenas uma história constituída de “dominação e resistência”.
Os trabalhadores reproduziam o discurso oficial interagindo com ele. Assim esse discurso parecia produzir diversas faces.
Diante desse impasse a autora decidiu que o melhor caminho para poder desvendar aqueles discursos seria o caminho da linguagem. Apropriando-se das interpretações de Bakhtin - a qual afirma que a linguagem se constitui nas relações sociais e na luta de classes e, assim sendo, expressa e veicula o efeito dessa luta: os conflitos da língua refletem num movimento dialético os conflitos de classes - a autora decidiu que deveria “resgatar o caminho de constituição da língua escrita” daqueles trabalhadores.
O trabalho de resgate constituiu em diálogos livres individuais ou grupais, onde a autora tornava-se a narradora que interagia com seus interlocutores. O fato de ser livre tornava o diálogo mais espontâneo e aberto ao confronto.
Esse tipo de diálogo proporcionou que mesmo que os trabalhadores reproduzissem o discurso oficial as vozes da resistência fluíam.
Os trabalhadores permitiram esse diálogo, alguns tinham vergonha por serem analfabetos e não queriam falar, outros não queriam falar, pois diziam que suas palavras já foram usadas contra eles próprios.
Apesar de desconfiados da escola, faziam de tudo para poder manter os filhos na escola, o desejo deles é de que seus filhos possam “ler e escrever de verdade”. Eles almejam que seus filhos não passem pelos mesmos sofrimentos que eles passaram e vêem na leitura e na escrita a oportunidade de garantir os direitos que eles não puderam usufruir.
Excluídos, porque somos culpados:
Neste capítulo a autora trabalhará sua hipótese nas falas dos personagens. Hipótese esta que ela retoma dizendo:
Era um espaço de um processo onde as várias versões da história de alfabetização se cruzavam, se penetravam, lutavam entre si, garantindo, no entanto, a sua concretização. Uma existia porque a outra existia, certo que na dos trabalhadores se representavam a força e a memória da outra.
Outro aspecto reforçado pela autora é o de que o registro oficial tomava pra si as falas dos trabalhadores. Ao se apropriarem das falas dos trabalhadores, o discurso oficial tem falado por eles como se fossem eles. Portando, apropriação, manipulação e cooptação têm feito parte da história oficial da alfabetização no Brasil.
Neste sentido, as “campanhas de mobilização contra o analfabetismo” significaram alfabetizar os trabalhadores de uma maneira mecânica e funcional atribuindo a eles apenas rudimentos de leitura, habilidades técnicas, motoras, destinadas a estabelecer o aumento produtivo da fábrica.
Assim, através das falas dos trabalhadores a autora pode identificar importantes questões ligadas à história da alfabetização: 1 – Alfabetização para ler instruções e avisos, assinar nome e contrato; 2 – Alfabetização como qualificação para o trabalho; 3 – Alfabetização técnica e funcional; 4 – Alfabetização como desígnio divino de alguns; 5 – Alfabetização como valor moral; 6 – Alfabetização como instrumento de higiene; 7 – Alfabetização como garantia do lugar social; 8 – Alfabetização como conhecimento “dado”; 9 – Alfabetização como restrição; 10 – Alfabetização como anulação do trabalhador; 11 – Alfabetização como valorização da língua padrão; 12 – Alfabetização nega a identidade lingüística percebida na oralidade; 13 – Alfabetização que cria o espaço das deficiências e dos defeitos; 14 – Alfabetização como medo e insegurança; 15 – Alfabetização = Raciocínio correto; 16 – Alfabetização como submissão; 17 – Alfabetização como propriedade privada de alguns.
Com toda essa constatação, a autora ainda é otimista, “Realmente, estas falas formam e têm sido apropriadas pelo discurso oficial, mas nem por isso deixaram de existir. Elas se encontram recolhidas, mas vivas...É preciso, pois, buscar pela linguagem da resistência, a outra história. Mas de um ponto de vista bem diferente.”
O que não é registrado, tem registro:
Neste capítulo a autora demonstra que muitos trabalhadores, percebendo o ocorrido (apropriação por parte do discurso oficial da fala dos próprios trabalhadores), assumem a tarefa de resgatar a história não registrada. Assim, os trabalhadores, na busca de sua identidade lingüística e cultural, questionam sua condição de classe, marginalidade e exploração, vislumbrando uma sociedade onde o acesso ao saber e ao poder não lhes seja negado.
As formas de resistência, porém, são heterogêneas, vão desde o simples desejo de algo proibido às práticas efetivas de transformação. A defesa das raízes e tradições culturais são importantes indícios dessa resistência.
Segundo a autora, “... eles querem que a escrita complemente a oralidade. Sabem “do valor positivo” que os grupos dominantes conferem à escrita e, como marginalizados, não podem ficar excluídos desse processo, porque têm a clareza de que o mundo de hoje é o mundo da escrita.
Os trabalhadores sabem que se não se enquadrarem nas cartilhas do capital estarão entre outras coisas, desempregados (“se os letrados não conseguem emprego, que dirá os analfabetos”). Eles criticam a escrita escolarizada, pois acreditam que “é preciso aprender aquilo que o patrão sabe, para poder ter entendimento”.
Essas formas de resistência têm provocado em toda a sociedade manifestações pela redefinição da escola atual.
A autora trabalha utilizando o conceito foucaultiano de microfísica do poder e afirma “o poder produz um saber que tenta encobertar todos os saberes considerados inferiores e desqualificados, com o fim determinado de tornar o trabalhador, que já é produto do poder, também objeto do saber. Instaura-se a verdade absoluta – o trabalhador, nessa lógica, não produz conhecimento".
Neste sentido, resgatar esses saberes implicaria no questionamento que podem provocar rupturas na rede microfísica do poder.
Assim o discurso oficial muda, acompanhando as mudanças do capital, de acordo com seus interesses. O trabalhador, segundo a autora, não tem aceitado essas mudanças tranquilamente e vem questionando/negociando a alfabetização que quer.
Ter a clareza de que a alfabetização não serve apenas ao sistema produtivo, têm dado aos trabalhadores a consciência de que seus direitos têm sido negados. Nesse sentido eles pedem “leitura e escrita só não bastam...É preciso muito mais!” Eles falam da saúde, da moradia, do salário do “pesadão”, da falta de lazer".
De leitores e de escritores possíveis
Qualquer tentativa de mobilização por parte dos trabalhadores por seus direitos é neutralizada por um discurso que dissemina alienação e escamoteia as contradições do sistema capitalista. A alfabetização serve para assegurar reações passivas dos trabalhadores diante destas contradições.
Propostas alternativas são colocadas, segundo a autora, como uma ilusão, posto que, numa sociedade de classes, essas propostas significam ainda se aceitar a história oficial agora com novas técnicas e novos métodos.
Assim, para propor outra alfabetização é preciso pensar outra relação entre trabalhador – conhecimento e escola – identidade lingüística. Isso supõe uma realidade onde as relações sociais sejam mais justas e iguais e também um projeto de educação que não coloque a escola apenas como um acesso aos meios escritos.
A voz oficial desconsidera que esses trabalhadores “analfabetos” falam, ouvem, vêem, pensam e ao entrarem em contato com o mundo letrado, esse contato será mediado pelas condições socioeconômicas e culturais de seu grupo social. Portanto é “pelo caminho das interpretações recíprocas, dos significados dos conhecimentos produzidos coletivamente e pela própria vida de parcerias, conflitos e confrontos desse grupo de trabalhadores, que se poderia chegar à determinação dessa outra alfabetização”. Segundo Bakhtin, “o sentido da palavra é totalmente determinado por seu contexto e onde também há tantas significações possíveis quanto contextos possíveis”.
Gisele Alves Ribeiro RA: 071009
Gabriela Chiareli de Sousa RA: 073140
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